Sérgio Cruz Lima

Em 1892, o grande problema é o Carnaval!

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Três anos após o golpe que decretou a República, no governo do marechal Floriano Peixoto, um governo política e militarmente agitado, uma das medidas causadoras de polêmica é a transferência do Carnaval de 1892 do mês de fevereiro para junho. Dizia-se que o calor e as chuvas de verão, frequentes na época, criariam um ambiente propício à propagação de epidemias - circunstâncias que se agravariam com os grandes ajuntamentos de bailes e desfiles carnavalescos de rua.

Publicado o decreto presidencial, o mesmo povo que assistira bestializado à Proclamação da República prorrompe em uma série de protestos pelas páginas dos jornais cariocas. Em O Combate, um certo Pierrot brada furibundo ao dizer que "o governo não quer que o povo se divirta (…), não há mais alegria! Não há mais divertimento! Não há mais amor! Não há mais Carnaval! Não há mais mulheres!". E completa com ironia: "Viva o marechal Floriano Peixoto!". Em outro artigo, o mesmo jornal aproveita o mote para atacar a ditadura. E o editor escreve: "Terça-feira de Carnaval. De Carnaval, em que pese à intendência e ao governo. É que a intendência e o governo, com o nobre intuito de melhorar as condições higiênicas da cidade, não tratam de sanear o solo, de alargar as ruas, de distribuir água com fartura, de aperfeiçoar o sistema de esgoto: limitam-se a transferir o Carnaval para junho". E arremata: "Manda quem manda. Que muito é que rasgue uma folhinha quem já rasgou tantas Constituições? Simplesmente, creio que o governo e a intendência perdem uma ocasião, maravilhosa e única, de se conservarem quietos e calados, o primeiro na rua Larga de São Joaquim, hoje Marechal Floriano, onde está situado o Palácio Itamaraty, que então era a sede da presidência da República, e a segunda no Campo de Santana. E isso, porque o Carnaval não foi transferido, porque o povo está gozando do Carnaval, porque o Carnaval, assim como assim, se está de fato celebrando".

Segundo a Gazeta de Notícias, com a medida a República matara o Carnaval. O jornal abre, inclusive, espaço para estimular a desobediência civil ao publicar, em 17 de junho de 1892, na sessão de cartas, o protesto de um carnavalesco anônimo que proclama o povo a solidarizar-se com as grandes sociedades, não aderindo ao Carnaval oficial e "não se sujeitando a cabrestos". Ilustrativa ainda do espírito aguerrido que assume a população carioca quando o assunto é Carnaval, conta-se essa anedota de Artur Azevedo: "É por isso que no dia 15 de novembro um sujeito diz à sua cara-metade: 'Ô filha, não me peças que não saia de casa... Tenho muito que fazer. Mas a revolução... No Rio de Janeiro as revoluções não me metem medo... O que me mete medo é o Carnaval…'".

Nas ruas, enquanto os maiorais discutem o Carnaval de 1892, os carnavalescos cantarolam: "O raio, ó sol, / Suspende a lua / Bravo do velho / Que está na rua. / São Pedro é nove / São Jorge é guapo / Chove ou não chove / Muito sopapo. / Levanto a saia / Olé, olá / Gente não caia / Deixa que eu vá. / Que pagodeira! / Que Carnaval! / Eh Zé-Pereira. / Florianal".

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